Onde o limite é a pele...

Pode parecer loucura tudo isto...
Pode parecer loucura não ter nada disto...
Em cada fragmento de alma
A partícula alfa
explosiva em sua casca
jorrando suco doce de vida.

Expulsa vida nos gritos melódicos da mulher descabelada,
na história das portas e das fechaduras encantadas,
na dúvida explícita se se é homem ou se não é nada...
Corpos sem orgãos
querelantes por uma chance para explicar
como, quando e onde se atravessa a porta para algum lugar,
desconhecido lugar...
que pode ser o outro,
que pode ser Deus,
que pode ser uma existência estelar...

O malandro que me ensina a ser esperta
O robô que a minha humanidade desperta
A mulher desesperada que com sua lágrima me acerta!

É assim a loucura da vida cheia de vida
sem roupas, sem armaduras
sem a hipócrita medida
coexistindo o fim, o meio e o começo
no grito melódico da mulher descabelada.

Texto: Allana Moreira e Silva

Bilhete de geladeira

Caro amigo Pedroca,

vôo de volta com o coração cheio de saudades.
Dei-me conta que me esqueci de te deixar uma pequena lista que poderá ser útil nos seus percursos...

Manera com o cigarro e coma mais mamão
e, todas as vezes que subir a escadaria
não se esqueça de comprar o pão.

Coma aveia e flocos de milho,
adoce com melaço,
coloque banana
e vá sentar lá no chão da varanda
para que nunca perca a esperança.

Anda mais lento
pra sentir bem o vento
e acorda mais cedo
pra dar tempo de um alongamento.

Cuida de varrer a casa
dia sim, dia não...
e não se esqueça do desinfetante,
papel higiênico
e do sabão.

Amigo Pedroca,
sei que não é simples viver nessa cidade:
pegar ônibus,
respirar apressado,
meio sem direção...

Mas sei também que os novos amigos do "acaso"
Lisa e Tromba ao seu lado,
você suporta bem a solidão.

E hoje,
sentindo o amor pulsante
Desse menino-homem,
aprendiz-intinerante
que te falo sem preocupação:
tudo está dando certo amigo irmão!

Texto: Allana Moreira e Silva

Gatos e Gatas

Lisa é gata fêmea...

dessas que miam melancólicas

à espera do gato macho

varão bonito

que compreenda os movimentos sedutores da sua espécie.

Em sua felinidade,

ela é gata braba, geniosa

dada a lampejos graciosos.

Come luas cheias,

lambendo iluminada a doce seiva astral.

Tromba é gato pouco macho,

um gentleman sim, é verdade,

mas coitado,

pouco dado a virilidades estonteantes

dos gatos fuçadores de becos.

Ele é da doçura eunuca...

companheiro servidor carinhoso

pertencente à linhagem passiva amante.

Lisa mia pra Tromba

esperando que ele um dia possa satisfazê-la

mas Tromba vive entre as pernas

das gentes

não das gatas.

Prefere ser fiel servidor

a meter-se com fêmeas exigentes

Madrugada que passa

ouço o forte miado de Lisa

e me compadece a sua solidão...

Não são carinhos simplesmenteo o que ela exige

Mas a força de uma varão.

Texto: Allana Moreira e Silva

Fotografia: Tromba na janela (por Pedroca)

Descoberta

Aos que me conhecem descoberta
saibam que sou assim,
meio desligada...
Cabelos, olhos, ouvidos e sexos,
mil desejos e mais nada.

Aos que me conhecem descoberta
procurem lá no fundo da pupila
a reverberante luz do meu amor
percebam de que cor ela pulsa
e se pode transmutar-se em flor

Aos que cobrem a minha alma descoberta
que seja doce a manta
de fios de ouro
com matos de alecrim...
um lírio, uma rosa, sete gérberas
uma flor de lotus nas mangas de jasmim

Aos que me conhecem,
descoberta estou.

Texto: Allana Moreira e Silva

Primeira Parada do Orgulho Louco

Chuva

A chuva recolhe os calmos,
os gatos
e os sensatos...

Recolhe hoje
o cheiro da casa cozinhando,
o barulho de gude
e a menina rezando.

Recolhe meu amor
semi-desperto esperando
Só não recolhe o pensamento
que voa por aí se molhando.

Texto: Allana Moreira e Silva

YOKO

Mesmo que seja assim...
Eu digo sim!

Pequeno pensamento: Allana Moreira e Silva (libertada pelo poder do sim...)
Instalação: Yoko Ono

Krishnamurti

"Ficais então a sós com vós mesmo, e esse é o estado real que convém ao homem que considera a sério estas coisas. E como já não contais com a ajuda de nenhuma pessoa ou coisa, estais livre para fazer descobertas. Quando há liberdade, há energia; quando há liberdade, ela não pode fazer nada errado. A liberdade difere inteiramente da revolta. Não há agir correta ou incorretamente, quando há liberdade. Sois livre e, desse centro, agis. Por conseguinte, não há medo, e a mente sem medo é capaz de infinito amor. E o amor pode fazer o que quer"